domingo, 6 de novembro de 2016

Vazamento Íntimo

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Diana cessou o seu vagar pelo país das maravilhas, e só então pôde sentir o significado de plenitude. Podia tocar nos anseios, moldá-los conforme suas capacidades. Graças à leveza que o seu espírito assumia, ele já não se ajustava aos delírios inatingíveis. Estava embriagada de paz e livre para percorrer a vida real sem precisar se esconder atrás de máscaras ou se proteger da própria contemplação vestindo fantasias.

Perigos Ocultos

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O momento era de risco iminente. Um segundo depois, consumado. Mais um instante a seguir, descarado: estava estabelecida a crise de consciência.

Caso o seu implícito e histérico sentido estivesse certo, algo lhe fazia companhia. E como nada de normal se via ou se ouvia, seja lá o que fosse, era uma existência oculta e sombria, fora da sua compreensão e controle. Porém, se estivesse realmente sozinho conforme os fatos lhe afirmavam, o risco era trazido pela solidão e a brecha que ela abria para a insanidade: exposição dos atos aos impulsos em completo descontrole.


Não existia uma saída racional para aquela insana bifurcação.
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domingo, 24 de julho de 2016

O Precipício

Antes de se jogar do alto da meditação e medição dos riscos para se lançar no precipício prático, ele compreendeu seu dilema: 

Era vontade versus cautela. 

Se uma abria as portas para o mundo concreto, palco de atuações selvagens

a outra devassava seu abstrato universo interior. 

Se uma admitia a vivência intensa, livre das censuras trazidas pelas meditações, 

outra censurava a compreensão da vida enquanto risco constante por uma sensação de segurança e estabilidade. 

Pura discrepância filosófica, questão de inclinação de espírito. 

E na balança da vida prática para a qual resolvera sorrir como promessa de ano novo, os sentidos viraram reverendos, adeptos da justiça - cegos e tendenciosos - decidiram condenar os anjos da abstração em pró dos caprichos do demônio mais íntimo: instinto

Escolheu o prazer

Cerrou os olhos para o perigo. 

e se permitiu livre por alguns instantes para, dentro deles, largar-se nas mãos do acaso, abrir mão do próprio governo.

A Troca de Guarda

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Conformada com o drama, 


voltou-se para o espelho 

e ficou alguns instantes a conferir sua

 minúscula fantasia procurando garantias 

de que as roupas lhe emprestavam  

toda a vulgaridade necessária

para cegar os clientes 

para os preços da casa.

Ao se deparar com o próprio reflexo, 

foi tomada pela frequente repulsa.

Sentiu-se suja e compreendeu 

que a resposta era sim:


Estava vestida feito puta.

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AQUELE RELACIONAMENTO - I

Aquele relacionamento era baseado na troca de acusações:



Ela dizia: "Ingrato!"

Ele dizia: "Injusta!"

Ela dizia: "Cínico!"

Ele dizia: "Fria!"


E depois ambos se empenhavam em contornar as falhas apontadas.

A certeza era de que se gostavam e não haveria julgamento sem desejo de revogação.

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